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"A Copacabana Mítica de Kitty Paranaguá"
por Pedro Afonso Vasquez

 

Os fins de tarde sobre o mar e essa passagem do sol poente à noite são os únicos momentos em que sinto o coração um pouco descontraído. Terei sempre amado o mar. Ele terá sempre apaziguado tudo dentro de mim. Albert Camus.
 

A praia é tanto um acidente geográfico quanto um fenômeno cultural. Cada praia tem uma conformação geológica própria e uma aparência distintiva, caso seja protegida por uma enseada ou aberta para o oceano, caso seja de suave areia branca ou, ao contrário, escarpada e pedregosa. Da mesma forma que cada praia ¾ ou, no caso das grandes, cada parte da praia ¾ é dominada por uma tribo diferente: os surfistas, as famílias, as babás e as jovens mães, os jogadores de frescobol, de futebol, de futevôlei, de vôlei, de peteca, de bola pesada, os marombeiros, os maconheiros, os pagodeiros, os intelectuais, os mauricinhos e as patricinhas, os gays, os devotos de Iemanjá, os nudistas…
 

Existem praias chiques e exclusivas, como existem praias bregas e superlotadas. Existem praias jovens, coloridas e repletas de corpos esculturais, como existem as praias de areias medicinais, cheias de anciãos transformados em croquetes humanos dormitando ao sol como rechonchudos leões-marinhos reumáticos. Existem, enfim, tantas praias diferentes quanto múltipla foi a criatividade divina que as concebeu num único dia ou as forças dos ventos e das marés que as esculpiram no correr dos séculos. Assim como existem tantas praias diferentes quanto fértil é a imaginação humana na incansável renovação do uso destas franjas de terra acariciadas por águas que até o século XIX se acreditava serem infestadas pelos mais terríveis monstros marinhos.
 

Essa é a praia de todos. A praia vendida pelas agências de turismo, a praia do senso comum, a praia do erotismo a céu aberto e do congraçamento ¾ ou do estranhamento ¾ social. Mas existe outra praia subjacente a todas as outras: a praia dos místicos, dos poetas e dos artistas. A praia em que nos refugiamos para expandir nossa própria pequenez diante da contemplação do oceano sem fim e do céu inconsútil que se encontram naquele ponto inexistente mas aparentemente tão concreto: a linha do horizonte.
 

A areia da praia divide o mundo em dois. Na terra residem as incertezas, as angústias e as aflições. No mar, nas proximidades da linha do horizonte, tudo é ordem, paz e perene certeza. Ao passo que a areia é uma zona litigiosa, uma espécie de albergue espanhol onde cada qual encontra apenas aquilo que traz consigo e onde vê apenas aquilo que está preparado para ver.
 

Kitty Paranaguá foi sensível ao aspecto misterioso e transcendental da praia, da mais famosa e profana das praias, a de Copacabana, Meca de todos os engodos e de todos os vícios ¾ a praia na qual se derrubou a igreja consagrada à Nossa Senhora que lhe deu nome para se construir um forte em seu lugar… Mas também, dada sua natureza intrínseca de praia, um espaço reservado ao devaneio, à criatividade, à meditação e ao auto-esquecimento. A praia de Kitty Paranaguá não tem as cores berrantes dos cartões postais das meninas calipígeas ou das fotos de recordação, tem a densidade das praias inglesas de Bill Brandt, com um contraste que pode ser qualificado de expressionista e os vazios da tradicional arte zen. Vazios que devem ser habitados e preenchidos pela imaginação do observador, convidado a partilhar uma experiência criativa e não a ser mero sujeito passivo.
 

A Copacabana de Kitty Paranaguá não é a do mito profano, dos turistas sofrendo de excesso de testosterona ou de furor uterino, e dos criminosos do hemisfério norte que aspiram dar o último grande golpe antes de virem curtir a vida nesta que é a síntese perfeita de tudo aquilo ¾ de bom e de ruim ¾ que faz o Rio de Janeiro ser o que é. Ao focalizar a praia de Copacabana, Kitty Paranaguá foi além do mito para atingir a dimensão mítica, para ingressar num universo paralelo que escapa ao olhar trivial e dali nos trazer, consubstanciados pela fotografia, vislumbres desta outra dimensão. Essa nova série é a coroação de um trabalho exemplar que se desdobra por mais de década e meia, atestando a originalidade de seu talento e nos fazendo evocar a concepção de mar do Povo Kogui, habitante da região de Serra Nevada de Santa Marta, ao norte da Colômbia:

No início era o mar… tudo estava escuro.

Não havia sol, nem lua, nem gente, nem plantas.

O mar estava em toda parte.

O mar era a mãe:

o mar não era gente, nem ninguém, nem coisa alguma.

Ele era o espírito daquilo que viria.

Ele era o pensamento e a memória.

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